sexta-feira, abril 19, 2013

O caso do "Excel" avariado

Tenho andado a seguir esta notícia em sites internacionais. É um caso curioso. Em 2010 Carmen Reinhart e Ken Rogoff publicaram um artigo "Growth in a time of debt". Nesse artigo, após uma extensa análise de cerca de 200 anos de dados económicos, afirmam categoricamente que o crescimento económico de um país diminuía sempre que a dívida era mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB).

Este artigo foi um tiro de partida para as medidas de austeridade que a Europa adoptou com tanta dedicação.

Vem-se a ver agora que os dados analisados no artigo, ou seja a folha de "Excel" usada para fazer as contas continha erros. Seria no mínimo cómico caso não tivesse consequências trágicas para milhões de trabalhadores europeus.

Vamos então ver isto por partes:

1- O conteúdo do artigo não foi inteiramente revisto por pares, como a academia exige, nem os dados citados como fonte foram publicados para serem revistos aquando da sua publicação. Só agora foi possível rever os dados. Esta crítica é generalizada. É este o grau de exigência dos economistas europeus a este nível...

2- Pessoalmente acho estranho que, com "ferramentas tão potentes" de análise de dados, se tenha recorrido ao Excel para tão importante empreitada.

3- A notícia do Público não explora a questão como deveria. Os investigadores Thomas Herndon, Michael Ash, e Robert Pollin da Universidade de Massachusetts, ao reverem os dados descobriram que Reinhart e Rogoff cometeram 3 tipos de falhas: exclusão de dados arbitrária, ponderação de dados incorreta e erros de fórmulas de calculo.

Por exemplo: No estudo, 19 anos de dívida acima dos 90% do PIB no Reino Unido com um crescimento médio de 2,6% vale tanto como um ano de dívida acima do mesmo valor na Nova Zelândia com uma retração de 7,6% da economia. Este exemplo é paradigmático.

4- Uma outra análise dos mesmos dados pode levar a concluir o contrário daquilo que afirmam os autores. Que uma retração económica pode levar a um aumento da dívida em percentagem do PIB e não o contrário. Isto é fácil de perceber, não é preciso nenhum "excel". Quando são tomadas medidas de austeridade que retiram dinheiro das carteiras das pessoas por via de quebra de salários e aumento de impostos, e simultaneamente o Estado reduz o seu investimento na economia, o dinheiro a circular diminui porque sai para o exterior em juros de dívida inflacionados, diminui a produtividade porque a procura não existe e a economia retrai-se e o PIB cai. Como os juros são insustentáveis e o pagamento da dívida é suportado por nova dívida, as medidas de austeridade vão provocar um aumento da dívida em percentagem do PIB. É o que está a acontecer em Portugal.

Por isso estamos em espiral recessiva. Acreditar em milagres ou conversas como "com sacrifício vamos ultrapassar as dificuldades" é uma treta. Só se resolve a crise com medidas políticas e económicas europeias concretas e inteligentes. A larga escala.

Os nossos sacrifícios não estão a servir para nada excepto um programa de emagrecimento dos serviços do Estado que vai deixar os mais desfavorecidos entregues a si mesmo e garantir uma prática de transferência do dinheiro dos impostos para a iniciativa privada empresarial, sobretudo o sector financeiro da economia. Teremos um páis economicamente rico mas com um povo pobre.

Quem vier dizer que é o contrário está a enganar-nos. Foi o que aconteceu na América de Bush e é o que querem que aconteça aqui.

O facto de Vítor Gaspar citar o "estudo" de Reinhart e Rogoff não é de estranhar. Os políticos liberias no poder "tratam-nos como shamans, não economistas" e vão continuar a acreditar nas suas conclusões ainda que sejam provadas erradas. Nada disto é ciêntifico e fingir que é tem consequências desastrosas.

Gaspar não é um bom técnico, é só um mau político. É preciso perder o pudor de pôr em causa estes deuses de pés de barro da ciência exacta que de exacta não tem nada.

 

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